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8 de fevereiro de 2012

O QUE É DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA?


Para podermos bem compreender o que é a doutrina social da Igreja precisamos nos valer do magistério do Papa bem-aventurado João Paulo II: «A doutrina social da Igreja não é uma 'terceira via' entre capitalismo liberalista e coletivismo marxista, nem sequer uma possível alternativa a outras soluções menos radicalmente contrapostas: ela constitui por si mesma uma categoria. Não é tampouco uma ideologia, mas a formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial.

A sua finalidade principal é interpretar estas realidades, examinando a sua conformidade ou desconformidade com as linhas do ensinamento do Evangelho sobre o homem e sobre a sua vocação terrena e, ao mesmo tempo, transcendente; visa, pois, orientar o comportamento cristão. Ela pertence, por conseguinte, não ao domínio da ideologia, mas da teologia e especialmente da teologia moral» (Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, n. 41).

João Paulo II procurou aqui deixar bem claro que a doutrina social da Igreja não é uma espécie do gênero que abrange o liberalismo e o socialismo. Este e aquele são ideologias, mas a doutrina social da Igreja é outra coisa. Como diz o Papa polonês, a doutrina social da Igreja «não é uma ideologia, mas a formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial».

Observem a radical dicotomia que faz o saudoso Pontífice na passagem que citamos da encíclica: de um lado, ele separa as ideologias; no lado oposto, ele coloca os resultados de uma reflexão sobre a realidade do homem e da sociedade. Efetivamente, este é o denominador comum das ideologias: elas não partem da realidade das coisas, mas de princípios arbitrários e relativos, abstratistas e parciais, artificiais e preconcebidos, postos pelo ideólogo como indiscutíveis.

As ideologias impõem-se mais pela adesão coletiva e pela coerência do sistema do que pela evidência dos seus princípios. Apesar de serem falsos ou parciais os princípios da ideologia, deles se tiram conclusões lógicas, harmônicas umas com as outras, de modo que essa coerência produz uma falsa impressão de verdade, constituindo forte motivo de convencimento. Além disso, ideologias se desenvolvem e disseminam por meio de grupos e movimentos coletivos. O fato de um número grande de pessoas compartilharem as mesmas crenças também passa a falsa impressão de serem verdadeiras. Nesse sentido, é significativo que Joseph Goebbels, um dos ideólogos do nazismo hitleriano, tenha dito que “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”.

Assim, o traço essencial da atitude ideológica é conceder maior importância às ideias do que às coisas. Isso por si só constitui um sintoma de desnaturação do intelecto, eis que as ideias são os instrumentos pelos quais devemos chegar às próprias coisas. Na ideologia, as ideias tornam-se fins em si mesmas, adquirem valor independente das coisas a que se referem, tomando vida própria. Os militantes de uma ideologia, destarte, procuram impor à sociedade concreta os planos por eles concebidos em seu universo subjetivo, forçando a realidade a que se adapte a esquemas apriorísticos, sem correspondência na verdade das coisas.

Subordinando o ser humano a enquadramentos artificiais e preconcebidos, as ideologias têm como resultado a discrepância entre a vida real e as instituições, o descompasso entre as fórmulas legais e a mentalidade do povo. Esse permanente conflito entre o “país legal” e o “país real” é um dos grandes males políticos da América Latina. Tudo começou após a Independência, quando as minorias dirigentes, encarregadas de organizar as novas nações, optaram por copiar modelos políticos estrangeiros, sem levar em conta uma possível inadequação dessas instituições à realidade latino-americana. Desde então, a cada nova moda ideológica que aparece na Europa ou nos Estados Unidos, nossas classes dirigentes, de esquerda ou de direita, na situação ou na oposição, se apressam a remoldar por ela todo o conjunto das nossas leis.

Desta maneira, a doutrina social da Igreja contrapõe à política ideológica, inspirada em princípios arbitrários e preconcebidos, uma política realista, fundada na verdade do ser das coisas e num conceito exato do homem e da sociedade. Não se trata mais de forçar a realidade para que ela caiba em esquemas apriorísticos, mas de ler no próprio ser do homem os princípios que devem conduzir a sua vida social. Por isso, a doutrina social da Igreja não pode ser uma ideologia concorrente em relação ao socialismo e ao liberalismo; ela vem exatamente para superar os esquemas ideológicos, para colocar-se num plano acima das ideologias. E assim o Papa João Paulo II a definiu como sendo «a formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial».
Rodrigo R. Pedroso
O autor é advogado graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD/USP), mestrando em Filosofia política pela FFLCH/USP e procurador da Universidade de São Paulo.

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