«Gloria in excelsis Deo, et in terra pax hominibus bonae voluntatis» (Lc 2,14). Narra São Lucas que, tendo nascido o menino Deus, uma multidão de anjos apareceu aos pastores de Belém cantando: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade". Salutaríssimo ensinamento, neste passo, o Evangelho nos apresenta, instruindo-nos a buscar, em primeiro lugar e acima de tudo, a glória de Deus, fim supremo e absoluto de toda a criação. E, depois, nos revelando que só haverá paz na terra – e paz, em sentido bíblico, significa muito mais que ausência de guerra – quando os homens tiverem boa vontade.
Este versículo do Evangelho, sob certo ponto de vista, resume toda aDoutrina Social da Igreja. Observem que a expressão "ax in terra" refere-se a algo externo – não se trata, aqui, da paz interior ou de uma paz exclusivamente espiritual, celeste. Mas da "paz na terra", ou seja, de uma paz que se encontra na terra, nas relações terrenas; uma paz que se encontra fora e não (somente) dentro. Entretanto, tal paz exterior está condicionada à “boa vontade”. Ora, a vontade é algo interior, espiritual; é uma das potências operativas da alma, simbolizada pelo coração. Então, compreendemos que a Escritura nos ensina que o conserto das relações terrenas depende da retificação da vontade humana; a redenção das sociedades deve vir por consequência da redenção dos corações.
Ao encontro desta passagem evangélica vem o célebre início da encíclicaPacem in Terris, publicada pelo Papa bem-aventurado João XXIII no ano de 1963: «A paz na terra, anseio profundo de todos os homens de todos os tempos, não se pode estabelecer nem consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus».
Nesta encíclica, o autêntico Magistério da Igreja ensina que o Criador, tendo feito tudo “com medida, conta e peso” (cf. Sb 11,21), instituiu também uma ordem para a sociedade humana, de modo que não haverá paz para os homens caso esta ordem não seja plenamente respeitada. Se assim é, todos os que anseiam por promover a paz no mundo têm como primeiro dever batalhar para o pleno respeito dessa ordem instituída por Deus. Por isso, ensinou o Papa Pio XI na encíclica Ubi Arcano: «o meio mais eficaz de trabalhar pelo restabelecimento da paz é restaurar o Reino de Cristo» (n. 39).
Porém, pouco faremos pelo Reinado Social de Jesus Cristo se desconhecermos a ordem que Deus quer ver estabelecida na sociedade. O homem é o animal racional e sua ação exterior deliberada brota das concepções interiores de seu intelecto. Por isso, urge uma catequese sobre a autêntica doutrina social da Igreja, de modo a orientar os fiéis no cumprimento de seus deveres relacionados à vida pública e social.
Efetivamente, já em 1946, em radiomensagem dirigida a um congresso de catequistas reunidos em Boston, o Papa Pio XII reconhecia: «O Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, acha-se atualmente ameaçado não apenas do exterior pelas potências hostis, mas também internamente pela fraqueza e decadência de certos elementos. Esta fraqueza crescente, que se manifesta em numerosos setores da Igreja, tem sua principal fonte na ignorância, ou melhor, no conhecimento superficial das verdades religiosas, ensinadas pelo Redentor».
O problema é agravado, porque certos elementos manipuladores, contrariando os desejos da Santa Mãe Igreja, camuflaram-se de defensores de sua doutrina social, com o objetivo escuso de lançar o joio de suas falsas ideologias no campo em que deveria ser semeada a boa semente da verdade.
Em face dessas considerações, minha pretensão, ao mesmo tempo humilde e ousada, é aproveitar este espaço que me foi concedido para iniciar, junto a todos os possíveis interessados, uma catequese sobre a doutrina social da Igreja. Ficarei grato se os leitores puderem contribuir com suas críticas, dúvidas, sugestões e, especialmente, com as suas orações.
Rodrigo R. Pedroso
O autor é advogado graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD/USP), mestrando em filosofia política pela FFLCH/USP e procurador da Universidade de São Paulo.
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