Jesus é a nossa paz
Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
A paz não se constrói pelas decisões dos grandes do mundo, mas no tu a tu do trato entre as pessoas.
Jesus caminhava pelas estradas da Galileia e formava pouco a pouco os seus discípulos, chamados a serem apóstolos e missionários, enviados a levar a Boa Nova do Evangelho até os confins da terra. Quando retornam de sua primeira experiência missionária, partilham com o Senhor o que haviam feito e ensinado (Mc 6, 30-34). Jesus, sensível ao cansaço que certamente experimentavam, procura conduzi-los a um lugar sossegado. No entanto, a multidão sedenta da presença do Senhor chega na frente. Os discípulos, de lá para cá, aprendem do Senhor a ampliarem os horizontes, atentos às necessidades das pessoas. De fato, “ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6, 34). A lista dos problemas que os cristãos devem enfrentar ao longo da história é muito grande, mas não podem recusar-se a enfrentá-los.
Ovelhas sem pastor, povo sem referências e orientação, abandono à própria sorte. São situações humanas desafiadoras e provocantes, que pedem resposta da parte dos cristãos e de toda a sociedade. Um dos gritos mais significativos de nosso tempo, como expressão do desgaste a que chegaram as relações entre pessoas e grupos é alto nível de violência, o acirramento dos contrastes ideológicos e sociais, incluindo, infelizmente, também a religião, quando esta tem como vocação própria aproximar as pessoas de Deus e umas das outras.
De acordo com os dados do Mapa da Violência, recentemente publicado, mais de cinquenta e seis mil pessoas foram assassinadas no Brasil em dois mil e doze, das quais vinte e sete mil eram jovens. E os números crescem ainda!
Com a proposta do Ano da Paz, a Igreja no Brasil quer ajudar na superação da violência e despertar para a convivência mais respeitosa e fraterna entre as pessoas, explica o bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB, dom Leonardo Steiner. “Violência que se manifesta na forma da morte de pessoas, na falta de ética na gestão da coisa pública, na impunidade. A violência, a falta de paz, provém do desprezo aos valores da família, da escola na formação do cidadão, do desprezo da vida simples”. A Igreja propõe uma reflexão sobre os motivos da violência e sobre a necessidade de uma convivência fecunda e frutuosa.
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, aponta para algumas raízes da violência e propõe que digamos um “não à desigualdade social”: “Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarraigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão. Quando a sociedade abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça.
Se cada ação tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor” (Evangelii Gaudium 59). “Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos veem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes” (Evangelii Gaudium 60).
Que resposta pode ser oferecida? A paz começa dentro do coração, no acolhimento daquele que é a paz, Jesus Cristo (Cf. Ef 2, 13-18). E esta paz é fruto da ação do Espírito Santo (Cf. Gl 5,22), a ser acolhido como dom derramado pelo Senhor, que o envia como presente que acompanha a Igreja e todos os cristãos. Vem a ser pedido em oração, pois vem do alto, antes de ser uma conquista pessoal. Sem a abertura para Deus o mundo e as pessoas andarão inquietos e não encontrarão a estrada da paz. E não nos esqueçamos de que os cristãos têm à sua disposição o Sacramento de Cura chamado Reconciliação ou Penitência. O recurso à graça sacramental desarma corações e estimula a busca dos caminhos de paz entre as pessoas.
É bom lembrar também que os discípulos de Jesus, em todas as gerações, trazem consigo as eventuais marcas decorrentes de suas situações familiares e da cultura de seu tempo. Não são diferentes dos outros quanto à natureza, mas, voltando-se para ele, empreendem o esforço cotidiano, sustentado pela graça de Deus, mudando suas atitudes, desarmando-se diante das outras pessoas, começando em casa e nas relações mais comezinhas, para ampliar até o relacionamento. A paz não se constrói pelas decisões dos grandes do mundo, mas no tu a tu do trato entre as pessoas. “Devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos, e peregrinamos juntos. Para isso, devemos abrir o coração ao companheiro de estrada, sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus. O abrir-se ao outro tem algo de artesanal, a paz é artesanal.
Jesus disse-nos: ‘Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus’ (Mt 5, 9). Neste esforço, mesmo entre nós, cumpre-se a antiga profecia: ‘Transformarão as suas espadas em relhas de arado'” (Is 2, 4; Evangelii Gaudium, 244). “Misericórdia e fidelidade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85, 11).
Um olhar mais desarmado, sem considerar inimigas todas as pessoas desconhecidas, a capacidade de construir novas amizades, o conhecimento de ambientes diferentes, a abertura sorridente para as novas gerações, que clamam por adultos mais serenos! Parecem sonhos irrealizáveis, mas um primeiro passo dado mostrará as novas possibilidades abertas pela Providência de Deus!
Vale ainda pensar nas capacidades de cada pessoa, com as quais um ambiente diferente pode ser construído na sociedade. Se passarmos por quem atua na educação, ou quem trabalha em órgãos de segurança, chegando às repartições públicas, nas quais todos sejam bem tratados, a superação de obstáculos burocráticos para o atendimento dos cidadãos, para chegar aos detentores do poder que, sendo cristãos, não podem se omitir na busca de soluções para os graves problemas sociais e na busca sincera do bem comum.
Se dermos glória a Deus, em Jesus Cristo, nossa paz, a paz germinará na terra!
Dom Alberto Taveira Corrêa - Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.
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