O que Paulo quis dizer com "deixai-vos conduzir pelo Espírito Santo"?
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com
“Deixai-vos conduzir pelo Espírito Santo” (Gl 5,16a)
Você, realmente, sabe o que é se deixar conduzir pelo Espírito Santo? Qual foi a verdadeira intenção do Apóstolo Paulo ao dar essa ordem? Muitos perdem a oportunidade de viver direcionados por Deus, por não entenderem essa máxima fundamental para o Cristianismo.
Para compreender essa ordem de se deixar conduzir pelo Espírito Santo, segundo o pensamento paulino em Gálatas, é necessário olhar para o contexto literário e histórico da carta. Em outras palavras, é importante compreender o que fez com que Paulo dissesse isso. Depois, aí sim, podemos atualizá-la em nossa vida.
Uma das intenções do apóstolo Paulo, na carta aos Gálatas, é responder a uma das questões mais relevantes para o cristianismo primitivo: os pagãos que se convertem à fé de que Jesus é o Cristo precisam viver, segundo alguns preceitos específicos, da lei judaica? Precisam seguir as prescrições alimentícias do judaísmo? Eles tem a obrigação de fazer a circuncisão? (cf. At 10,19-23; 15,1-21; Gl 2,1-10).
A resposta não era tão simples assim, pois estava como “pano de fundo” da discussão o fato de que os judeus, sobretudo os fariseus legalistas daquela época, tinham a ideia de que aqueles que vivessem segundo tais normas seriam justificados por Deus, alcançariam d’Ele a graça e, portanto, seriam de alguma maneira salvos (cf. Gl 2,16). Em contrapartida, aqueles que não as cumprissem seriam considerados pecadores, impuros e estariam condenados às maldições de toda ordem. Desse modo, a vivência da lei seria a causa da justificação.
Qual é o problema dessa concepção legalista?
Se é a lei que justifica o ser humano, então, de nada valeu a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo! (cf. Gl 3,13-14). Paulo entende a gravidade da questão e, diante da ameaça dos pregadores judaizantes e legalistas que estavam pregando aos gálatas, escreve parte da carta para mostrar que o que justifica é a graça de Deus, a qual, uma vez recebida pelo ser humano, deve ser vivenciada por meio de atitudes concretas (cf. Gl 2,4). Assim, o ser humano continua sendo dependente da graça de Cristo para a sua salvação e livre da tentação de querer salvar-se a si mesmo (cf. Gl 3,10-14).
É por essa razão que o apóstolo Paulo diz aos Gálatas que o cristão não deve viver como escravo da lei, mas sim pela fé vivida em Cristo (cf. Gl 3,23-29). Por que isso é importante? Porque o que deve garantir a vivência da santidade não é a imposição da lei, mas a ação do Espírito Santo no ser humano.
Com efeito, se alguém realiza o bem apenas porque a lei manda, então, o que motivou a ação pode ter sido, talvez, o medo da punição prevista na norma. Um exemplo pode ajudar na compreensão: imagine que uma pessoa esteja apontando uma arma engatilhada para sua cabeça e gritando para que você perdoe alguém que o magoou. Seu perdão seria verdadeiro? Muito provavelmente não! O que o teria conduzido, talvez, fosse o terror da morte. Essa é a dinâmica de quem está vivendo pela lei, segundo Paulo.
Ação do Espírito Santo
Assim, deixar-se conduzir pelo Espírito, dentro do contexto da Carta aos Gálatas, significa ser livre do jugo da lei e realizar a vontade de Deus como fruto da ação do Espírito Santo (cf. Gl 5,22-23). Trata-se de agir segundo a graça de Deus. Assim, se faço o bem, é porque sou cheio do Espírito Santo. Se perdoo, é porque sou cheio do Senhor. Se amo, é porque Cristo vive em mim! (cf. Gl 2,19-21). Quantas pessoas fazem o que Deus quer apenas por medo do inferno ou de qualquer outro castigo! Quantas pessoas vão à Santa Missa, só porque existe um mandamento! Talvez, você, meu querido leitor, tenha respondido essas perguntas, incluindo-se na resposta com um sonoro “eu”.
Diante disso, é preciso deixar-se conduzir pelo Espírito e não pelo medo, nem mesmo pela obrigação da lei. É preciso entender que “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (cf. Gl 5,1). Assim, se perdoo, se amo, se vou à Missa, se sou servo de Deus, é porque tudo isso é fruto da ação poderosa do Senhor na minha vida. É importante salientar ainda duas informações sobre o verdadeiro sentido da expressão “deixai-vos conduzir pelo Espírito Santo”. A primeira é que a melhor tradução do texto grego da Carta aos Gálatas (Gl 5,16a) é “andeis segundo o Espírito”, ou ainda, “andeis no Espírito”, já que o verbo é “paripateo”, literalmente, “andar” ou “caminhar”.
A relevância maior dessa informação está no fato de que este verbo, “paripateo” (andar), é utilizado várias vezes nos escritos paulinos. Trata-se, portanto, de uma utilização minuciosamente pensada (cf. 1Ts 2,12; 4,1.12; Gl 5,16; Rm 6,4; 8,4; 13,13; 14,15; 1Cor 3,3; 7,17; 2Cor 4,2; 5,7; 10,2.3; 12,18; Fl 3,17.18; Cl 1,10; 2,6; 3,7; 4,5).
Qual é o sentido mais profundo disso?
Este termo “andar” é utilizado na literatura secular a partir do século I a.C. para se referir à conduta ou modo de vida. No Novo Testamento, quando este vocábulo designa um modo de vida, ele é determinado por alguma qualificação, ou seja, ele está sempre acompanhado por alguma outra expressão (cf. Mc 7,5; At 21,21). Às vezes positiva, como é o caso em Jo 12,35; Rm 6,4; 13,13; 1Cor 7,17; 2Cor 5,7; 12,18; Gl 5,16; Ef 2,10; 5,2.8.15; Fl 3,17; Cl 1,10; 2,6; 4,5; 1Ts 2,12; 4,1.12; 1Jo 2,6; 4; 2Jo 6. Mas também negativa (cf. Jo 8,12; 12, 35; 1Jo 1,6; 2,11; 1Cor 3,3; 2Cor 4,2; 10,2; Ef 2,1-3; 4,17; Fl 3,18; 2Ts 3,6; 2Ts 3,11; Hb 13,9.
Tais qualificações evocam a ideia de uma oposição entre os dois modos de “andar” ou de “conduzir” a vida. Diante disso, o modo de vida do cristão é “andar segundo o Espírito”, é deixar-se conduzir por Ele. É também, como vimos antes, ser livre no amor e na graça, praticando as obras do Espírito.
Por fim, a segunda informação importante é que ser livre da escravidão da lei, segundo o pensamento paulino, não é fazer tudo o que se quer. Em outras palavras, não é libertinagem! É ser livre em Deus, para viver n’Ele e por Ele.
Desse modo, deixe-se conduzir pelo Espírito, ande segundo Ele, seja livre para amar por gratuidade e graça. Seja livre sendo escravo do Espírito Santo de Deus!
João Cláudio Rufino é Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membro da Equipe Nacional do Ministério da Pregação e Coordenador Núcleo de Reflexão Teológica da RCC Brasil.
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