A Palavra de Deus

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7 de março de 2015

Reconstruir as ruínas que encontramos


Reconstruir as ruínas que encontramos

Nas voltas que o mundo dá, sucedem-se crises de todo tipo. As pessoas conhecem ciclos diversos, mudanças condicionadas pela idade, situação social, opções feitas no correr da vida. A sociedade conhece também suas etapas e eventuais fases difíceis, como o quadro político e econômico em que nos encontramos, ampliado pelos inúmeros desafios que expressam quase um regresso à barbárie, tamanhos são os fatos violentos que passam diante de nossos olhos a cada dia. A Igreja está mergulhada em nosso mundo, com todos os seus problemas e é chamada a dar a resposta da fé a todos eles, superando o medo que podem provocar.

Os cristãos são chamados a serem homens e mulheres de soluções, exercendo a necessária criatividade, que lhes possibilite ser presença qualificada no meio de todas as pessoas de boa vontade.

São João descreve, logo no início do quarto evangelho, uma das visitas de Jesus ao Templo de Jerusalém (Jo 2, 13-25). O espaço destinado a ser casa de oração tinha se transformado em comércio, a prática das leis do Antigo Testamento estava em crise, alguns poucos se faziam donos da religião, a presença invasiva dos romanos corrompia as relações entre as pessoas e, ao mesmo tempo, muitas pessoas mantinham viva a esperança da chegada do Messias prometido.

O Templo, que já não era o que foi edificado por Salomão, mas a segunda construção, depois restaurada por Herodes, o Grande, veio a ser efetivamente destruído pela invasão romana, alguns anos mais tarde, restando apenas um espaço sagrado utilizado pelos judeus. Na antiga esplanada do templo, foram posteriormente erguidas duas Mesquitas, lugares de culto dos Muçulmanos. E a Jerusalém de hoje, com todos os conflitos subjacentes à sua organização e governo, abriga judeus, muçulmanos e cristãos.

Muitos sonham, e nós também, com uma convivência pacífica das três grandes religiões monoteístas. E de lá para cá, por motivos diversos se destroem templos e monumentos de várias religiões, como temos acompanhado nos últimos dias. Com os edifícios destruídos, também fica comprometida a memória histórica da humanidade!

Não era simples o relacionamento dos judeus com as autoridades romanas e seus prepostos. São Lucas descreve alguns fatos reveladores: “Chegaram algumas pessoas trazendo a Jesus notícias a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando o sangue deles com o dos sacrifícios que ofereciam. Ele lhes respondeu: Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que qualquer outro galileu, por terem sofrido tal coisa? Digo-vos que não. Mas se vós não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito que morreram quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro morador de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo” (Lc 13, 1-5). Jesus anuncia e faz acontecer o Reino de Deus no meio de uma sociedade conflitiva, com tensões e revoltas prontas a estourarem a qualquer momento.

Ao Templo de Jerusalém chega o esperado das nações, como nos descrevem os textos evangélicos. No entanto, ele vem de forma diferente, certamente decepcionando os sonhos de confronto e poder de muitos de seus contemporâneos. Sua presença quer conduzir as pessoas do Templo edificado com tanto esforço ao novo Templo, o novo lugar que é Ele mesmo, onde acontece o verdadeiro culto ao Pai do Céu. Jesus não destrói o Templo, antes o respeita profundamente, com palavras duras e fortes: “Tirai daqui essas coisas. Não façais da casa de meu Pai um mercado! Os discípulos se recordaram do que está escrito: O zelo por tua casa me há de devorar” (Jo 2,16-17). Além das lições que nós cristãos podemos aprender com estes fatos, nasça um grande respeito pela religião dos outros, sejam quais forem suas convicções!

Profeticamente, o Senhor anuncia que o Templo será destruído e reconstruído após três dias, pois ele falava a respeito do seu corpo. Depois que Jesus ressuscitou dos mortos, os discípulos se recordaram de que ele tinha dito isso, e creram na Escritura e na palavra que Jesus havia falado (Cf. Jo 2, 21-22). De fato, na força de sua Ressurreição gloriosa, a morte veio a ser vencida e todas as suas manifestações podem ser superadas.

Nós cristãos professamos a fé no Cristo Morto e Ressuscitado. Com a fé, nossa vida tem uma meta a ser alcançada, impedindo-nos de sermos afogados pelos acontecimentos positivos ou negativos. Nosso olhar se volta para a plenitude do amor de Deus, acendendo continuamente a luz da esperança. Com esta fé, passamos pelo mundo fazendo o bem, acreditando que é possível restaurar vidas e superar as muitas dilacerações existentes na sociedade.

Para tanto, somos chamados a algumas atitudes e gestos. Para nós, a maldade não tem a última palavra em quem quer que seja. Olhamos para as pessoas e suas crises pessoais e descobrimos aquela fagulha, para não apagar a chama que fumega, pois no nome de Jesus as nações podem depositar a esperança (Cf. Mt 12,15-21; Is 42,1-4). No dia a dia, não desperdiçamos as oportunidades para tecer novos relacionamentos com as pessoas, aproveitando os eventuais laços que poderiam impedir a caminhada para compor redes de fraternidade. As iniciativas de pessoas e grupos em vista do bem comum encontrarão em nós a disposição para parcerias inteligentes, nas quais cada um pode dar o que sabe e pode.

Onde quer que encontremos eventuais restos de edificações destruídas, recolheremos os pedaços para realizar a profecia: “Quando o invocares, o Senhor te atenderá, e ao clamares, ele responderá: Aqui estou! Se, pois, tirares do teu meio toda espécie de opressão, o dedo que acusa e a conversa maligna, se entregares ao faminto o que mais gostarias de comer, matando a fome de um humilhado, então a tua luz brilhará nas trevas, o teu escuro será igual ao meio-dia. O Senhor te guiará todos os dias e vai satisfazer teu apetite, até no meio do deserto. Ele dará a teu corpo nova vida, e serás um jardim bem irrigado, mina d’água que nunca para de correr. E a tua gente reconstruirá as ruínas que pareciam eternas, farás subir os alicerces que atravessaram gerações, serás chamado reparador de brechas, restaurador de caminhos, para que lá se possa morar” (Is 58, 9-12).

Se o sonho parece muito alto, sabemos que nossa fé professa nada menos do que a vitória sobre a morte! Portanto, a esta altura do caminho quaresmal em direção à Páscoa, recomecemos a cada dia a tarefa recebida do Senhor, para reconstruir as eventuais ruínas que encontrarmos.
Dom Alberto Taveira Corrêa: Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.

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