Dom do Entendimento ou Inteligência
Há pessoas simples que, mesmo sem entender os dogmas e demais ensinamentos da Santa Igreja, permanecem fiéis aos seus ensinamentos; possuem o sabor pelas coisas de Deus e, mesmo ignorando o vasto significado da liturgia, dos dogmas e das orações, dão testemunho de intensa devoção e piedade. Estão repletos de sabedoria, mas lhes falta o entendimento, o qual se resume na busca pela compreensão das coisas de Deus, no seu sentido mais profundo.
O dom do entendimento dá-nos a percepção espiritual necessária para entender as verdades da fé em consonância com as nossas necessidades. Sabedoria não é consequência do entendimento ou vice-versa; mas o perfeito complemento da sabedoria. Por serem distintamente preciosos, fazem com que nos aproximemos de Deus com todas as nossas forças, com toda a nossa devoção e inteligência.
A palavra “inteligência” é derivada de intellegere, que significa ler dentro, penetrar a fundo. Na ordem natural, entendemos intelligimus quando captamos a essência de alguma realidade. Na linha da fé, paralelamente, entender é penetrar, ler no íntimo das verdades reveladas por Deus, é ter a intuição do seu significado profundo. Pelo dom do entendimento, o cristão contempla com mais lucidez o mistério da Santíssima Trindade, o amor do Redentor para com os homens, o significado da Sagrada Eucaristia na vida cristã, a importância dos sacramentos, da liturgia, da Palavra de Deus, das mortificações, meditações, orações, da moral católica etc.
A penetração que o dom da inteligência (ou do entendimento) nos dá é diferente daquela que o teólogo adquire pelo o estudo; esta é relativamente penosa e lenta. Além do que, pode ser alcançada por quem tem alcance intelectual, mesmo que não possua grande amor. Ao contrário, o dom da inteligência é eficaz mesmo sem estudo; é dado aos pequeninos e ignorantes, desde que tenham grande amor a Deus. Jesus disse: “Eu te bendigo, Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11,25)
Conta-se que um irmão leigo franciscano disse certa vez a São Boaventura († 1274), o Doutor Seráfico: “Felizes vós, homens doutos, que podeis amar a Deus muito mais do que nós, os ignorantes!” Respondeu-lhe Boaventura: “Não é a doutrina alcançada nos livros que mede o amor. Uma pobre velha ignorante pode amar Deus mais do que um grande teólogo se estiver unida a Ele”. O irmão compreendeu a lição e saiu gritando pelas ruas: “Velhinha ignorante, você pode amar Deus mais do que o mestre Frei Boaventura!”.
Na ordem natural, é compreensível que o amor brote do conhecimento. Na ordem sobrenatural, porém, pode acontecer o inverso: é o amor que abre os olhos do conhecimento. Os que mais amam a Deus são os que mais profundamente dissertam sobre Ele. Santo Agostinho dizia: “Creio para compreender e compreendo para crer”.
São frutos do dom do entendimento as intuições das verdades da fé que são concedidas a muitos cristãos durante o seu retiro espiritual ou durante uma leitura inspirada pelo amor a Deus. O “renascer da água e do Espírito” (Jo 3,3), a imagem da “videira e dos ramos” (Jo 15,5), o “seguir a Cristo, renunciando a si mesmo e tomando a cruz a cada dia” (Lc 9,26), e muitas outras verdades, tomam então clareza nova e transformam a vida do cristão.
O dom do entendimento mostra também o “horror, a hediondez do pecado” e a grandeza da miséria humana. Os santos, quanto mais se aproximaram de Deus, quanto mais foram santos, tanto mais tiveram consciência do seu pecado ou da sua distância em relação Àquele que é três vezes Santo.
Em suma, o dom do entendimento nos faz ver melhor a santidade de Deus, a infinidade do Seu amor, o significado dos Seus apelos e também a pobreza da criatura que se compraz em si mesma, em vez de aderir corajosamente ao Criador.
Felipe Aquino - Canção Nova
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