Lutemos para alcançar as virtudes cristãs
Nos difíceis anos da Segunda Guerra Mundial, as forças ideológicas em conflito se confrontaram de várias formas com a presença dos cristãos, muitos deles, inclusive, comprometidos com as diversas facções, suscitando depois a análise e o julgamento dos historiadores e muitos críticos nas décadas que se sucederam.
Entretanto, o século XX foi um tempo de martírio, quando cristãos de várias confissões – católicos, evangélicos e ortodoxos – derramaram seu sangue por causa do Evangelho, em defesa da verdade e da dignidade da pessoa humana. Foi também um período de grande profusão de homens e mulheres que confessaram a fé, tornaram-se batalhadores com a palavra e os gestos, gerando um santo orgulho para as gerações que se sucederam, inclusive a nossa. Mais ainda, a candura da virgindade, a coragem da castidade de pessoas que foram contra a correnteza na busca desenfreada pelo prazer que se espalhou pelo mundo, também esta forma de vida cristã se fez presente. Disseram também o seu ‘sim’ ao Senhor muitos homens e mulheres suscitados pelo Espírito Santo para fundar famílias religiosas, obras sociais, iniciativas de serviços aos mais pobres e aos movimentos.
As grandes chagas do tempo, como as drogas, as enfermidades surgidas recentemente, as novas formas de pobreza e miséria, a situação dos fugitivos dos países em guerra, as catástrofes naturais, todas foram situações em que cristãos se lançaram a dar alguma resposta. Mártires, confessores, virgens, fundadores e fundadoras, agentes sociais, grandes pregadores do Evangelho. Eis a riqueza da Igreja de nosso tempo! Não somos os detentores exclusivos do bem a ser feito, mas temos oferecido nossa contribuição por um mundo mais justo e fraterno.
No dia seis de julho, a Igreja celebra Santa Maria Goretti, uma jovem italiana morta aos doze anos, em 1902, pela decisão de manter a castidade. Pio XII, por ocasião de sua canonização, pronunciou palavras de grande sabedoria: “Nem todos somos chamados a sofrer o martírio, mas todos somos chamados a praticar as virtudes cristãs. A virtude, porém, requer energia; mesmo sem atingir as alturas da fortaleza desta angélica menina, nem por isso obriga menos a um cuidado contínuo e muito atento, que deve ser sempre mantido por nós até o fim da vida. Por isso, semelhante esforço, bem pode ser considerado um martírio lento e constante. A isso nos convidam as palavras de Jesus Cristo: ‘O reino dos céus sofre violência, e são os violentos que o conquistam’ (Mt 11,12). Esforcemo-nos todos por alcançar esse objetivo, confiados na graça do céu. Sirva-nos de estímulo a Santa Virgem e mártir Maria Goretti.
Que ela, da mansão celeste, onde goza da felicidade eterna, interceda por nós junto ao Divino Redentor, a fim de que todos, nas condições de vida que são as nossas, sigamos os seus gloriosos passos com generosidade, vontade firme e obras de virtude” (Homilia da canonização de Santa Maria Goretti, em 1950). Sim, a Igreja tem a oferecer crianças, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres que querem viver como bons cristãos.
Consta que uma grande autoridade da então “Cortina de Ferro”, aconselhada a tolerar o Catolicismo naquela região, fez uma pergunta sarcástica: “Mas quantas divisões militares tem o Papa?”. Todas as vezes que o poder temporal e o religioso se aliaram ingênua ou maldosamente, os resultados foram os piores possíveis. Quando os cristãos, revestidos de algum poder, se comprometeram com as armas ou com a corrupção, mancharam a beleza daquela que é Esposa de Cristo. Com o tempo, a graça de Deus lhes concedeu o dom do arrependimento e a força para recomeçarem o caminho. Não é tarefa da Igreja ter divisões militares, mas arregimentar homens e mulheres que acreditem na força da fraqueza, percorrendo a estrada do serviço e da humildade, mesmo quando as circunstâncias os colocarem em postos altos da política e da administração pública ou em suas atividades profissionais. Estarão, então, “na corda bamba”, desafiados a manter a fidelidade aos princípios evangélicos, fermentando a sociedade.
Efetivamente, desde os primórdios da Igreja, multiplicaram-se os desafios, começando pelas próprias fraquezas dos cristãos. As perseguições foram inúmeras, as dificuldades imensas. No entanto, os cristãos aprenderam a acreditar nos meios pobres e no anúncio do Evangelho aos mais simples e desprezados, quanto aos recursos materiais e quanto às condições humanas e espirituais. Cabe-lhes ir ao encontro dos mais sofredores e dos pecadores.
Nosso Senhor, ao oferecer instruções aos discípulos, percorrendo diversas cidades da Galileia (Cf. Mt 1112), os conduz a entender os valores do Reino de Deus. Ele é interrogado sobre a missão de João Batista, manda ao mesmo João um recado, indicando os sinais do Messias: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são curados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres se anuncia a Boa-Nova” (Mt 11, 4-5). O mesmo João Batista, preso, quase para ser degolado, é elogiado por Jesus como o maior dentre os nascidos de mulher (Cf. Mt 11, 11). Seus discípulos, ouvindo-o recriminar algumas cidades que recusaram a ocasião oferecida para se arrependerem, certamente ficavam confusos. Até hoje é assim! Poder, dinheiro, influência, tudo atrai terrivelmente!
E o Senhor, diante da arrogância corrente em todos os tempos, exalta o humilde e o simples. Impressiona a efusão espiritual de Jesus (Cf. Mt 11, 25-30), testemunhando a predileção do Pai pelos pequeninos. As portas do Reino de Deus continuam abertas. Venham a ele os que estão cansados e sobrecarregados, os estropiados pela vida ou pelos próprios pecados. Venham os que não vivem satisfeitos com seus próprios preconceitos. Sejam bem-vindos os que desejam fazer a estrada da simplicidade de coração. Não se intimidem aquelas pessoas que querem, malgrado todas as propagandas contrárias, ser parecidas com uma Santa Maria Goretti ou, quem sabe, abraçar uma vida semelhante à Beata Madre Teresa de Calcutá ou a coragem de Santa Gianna Beretta Molla na defesa da vida. Se lhes parecerem distantes dessas figuras, olhem para as legiões de homens e mulheres sem armas, aí bem perto, em sua Paróquia, que testemunham Jesus Cristo e Seu Evangelho.
Entretanto, para que ninguém fique enganado, há uma condição: tomar o jugo suave de Jesus, aprendendo d’Ele, que é manso e humilde de coração. O jugo suave é a lei do amor. Comparado com as cargas impostas pelos fariseus, esse jugo liberta e salva. Trata-se de seguir Jesus, abraçar a cruz, tornar-se discípulo e missionário do Reino de Deus. Passe o mundo transitório, permaneça o Reino de Deus, que fermenta com vida e santidade todas as gerações.
Dom Alberto Taveira Corrêa - Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.
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